A opinião de ...

Quem muda, Deus ajuda... mas o homem parece que não

Há um ano, foi notícia a iniciativa da Câmara de Bragança, que lançou um concurso para captar famílias para a região, durante um mês, de forma a tomarem contacto com a realidade do Nordeste Transmontano e poderem, no futuro, tornar-se residentes.
A ideia foi boa mas, 12 meses volvidos, nenhum dos casais selecionados ficou no concelho de Bragança. Alguns nunca mais cá voltaram sequer.
Qualquer iniciativa que ajude a trazer habitantes para o Nordeste Transmontano é de louvar. O problema é que, as que há, são desgarradas de uma verdadeira política de fixação de pessoas por parte de todas as entidades, locais e nacionais.
Vir passar uns dias, um mês, vá, a uma região como esta até pode ser divertido, libertador, diferente daquilo que a maioria dos habitantes do litoral estão habituados, quando se deparam com alguns hábitos pitorescos ou paisagens avassaladoras.
O problema é ficar o resto do tempo, sobretudo para quem não tem relação umbilical com a região.
As diferenças, sendo muitas, sentem-se na pele, sobretudo na hora de aceder a cuidados de saúde, a ofertas culturais, desportivas ou de lazer.
Depois de 18 anos nascido e criado em Bragança, fui estudar e trabalhar para o litoral, regressando ao Nordeste Transmontano após dez anos, por vontade própria. Portanto, estou à vontade para dizer que uma mudança destas nunca é fácil, pois o impacto da diferença de ritmo do dia a dia é brutal.
Não que o dstrito de Bragança não tenha qualidade de vida ou não seja bom para se viver e criar uma família, bem pelo contrário (foram essas as principais razões da minha mudança).
A questão é que, sem uma ligação umbilical, é mais difícil a um forasteiro adaptar-se ao embate das diferenças.
Desde logo, a falta de gente, que origina menos mercado, menos oportunidades de trabalho.
Mesmo os colegas da minha geração, dos que saíram, foram poucos os que voltaram.
Por isso é que este tipo de programas tem falhado estrondosamente, não só em Bragança mas em todo o interior do país. Veja-se o caso dos Novos Povoadores, que chegaram a trazer famílias para o distrito mas que, após alguns meses, confrontadas com situações como gravidezes ou falta de oportunidades profissionais, optaram por regressar ao litoral.
Desde o início da portugalidade que os governantes tentaram atrair pessoas para povoar estes territórios de fronteira, como forma de impor os limites com Espanha. E as dificuldades começaram logo aí, com vários reis a serem obrigados a mandar pessoas para cá
à força.
Viver nestes territórios é mais difícil, exige mais resiliência e capacidade de adaptação às adversidades. Tal como os solos são mais pobres, também as oportunidades de florescer escasseiam mais em comparação com o litoral.
Quem mora no Interior sabe que tem limitações inerentes à distância dos centros de decisão. Quem não é visto, não é desejado, diz o povo. Da mesma forma que quem mora nas Ilhas sente limitações com a distância, mobilidade, etc., que levou à criação do estatuto de Insularidade, em que o próprio Estado tenta colmatar alguns dos handicaps naturais.
Está na altura de pensar num estatuto da Interioridade pois, à exceção do mar, as dificuldades são semelhantes. E começar por pensar em atrair de volta os que de cá saíram.

Edição
3881

Assinaturas MDB