A opinião de ...

Salgueiro Maia – O Eterno Capitão de Abril!

Ícone da revolta militar que depôs o regime do Estado Novo, foi oficial de Cavalaria formado na Academia Militar e combatente da Guerra de África, no teatro de operações de Moçambique (1967-69) e da Guiné (1971-73). Se na primeira missão vinca a assertividade da arte de bem comandar, na seguinte sente o desencanto com a questão ultramarina. Em dezembro de 1973, colocado na Escola Prática de Cavalaria (EPC), em Santarém, envolve-se no «Movimento dos Capitães», depois das Forças Armadas (MFA). Ciente do seu valor militar, o Major Otelo Saraiva de Carvalho, estratega da Operação «Fim de Regime», confia-lhe a decisiva missão de ocupação do Terreiro do Paço, centro nevrálgico do poder político do regime. Para o efeito, o capitão Maia reuniu dois esquadrões, de Reconhecimento e Atiradores, na madrugada de 25 de abril, alegando instruções noturnas, modo de dissimular a ação. Ia meter-se no «olho do furacão». Cerca das 03:20h, marchou para Lisboa, onde ocupou o Banco de Portugal e a Rádio Marconi, na baixa da capital e, de seguida, posicionou as suas forças no Terreiro do Paço. Aí dissuadiu a intervenção de elementos da PSP, da GNR, da Polícia Militar e de contingentes militares da Ajuda. Chegou a ter as suas forças sob a mira da fragata Gago Coutinho, fundeada no Tejo, que não ousou abrir fogo. Ao início da manhã, foi confrontado com a oposição de duas colunas de carros de combate, comandadas pelo brigadeiro Junqueira dos Reis. A situação só não redundou em confronto porque o capitão, decidido a parlamentar, manteve o sangue-frio, e os comandados do brigadeiro recusaram fazer fogo sobre ele. Não aconteceu o primeiro tiro, de consequências imprevisíveis, e a revolta foi ganha nesse momento. Dominada a situação, dirige-se para o largo do Carmo, onde Marcello Caetano se tinha abrigado no quartel-general da GNR. De megafone na mão, intimou esta à quietação, intimou o Presidente do Conselho a entregar-se e ordenou rajadas contra a fachada do edifício. Chegou ao contacta pessoal com M. Caetano, dentro das instalações do quartel, de quem ouviu «já sei que não governo». A formalização da rendição aconteceu cerca das 18 horas, perante o general Spínola, que emergiria como o rosto da Junta de Salvação Nacional. Homem sem sono e com uma energia inesgotável, nessa noite e no dia seguinte esteve na Ajuda e calcorreou as ruas de Lisboa, determinado a consolidar a revolta. A liberdade impôs-se!
Regressou a Santarém e, ao contrário da ambição da maioria dos seus pares, não aceita promoções hierárquicas da «noite para o dia» (recusou ser coronel comandante da EPC), cargos políticos (governador civil de Santarém), nem ser membro do Conselho da Revolução, constituído no seguimento do 11 de março. Ou seja, não se envolve no processo revolucionário pós 25 abril. Está desencantado com anarquia crescente. No ano seguinte, irrompe o «Verão Quente de 75», as espingardas foram contadas, o Exército cindiu-se entre revolucionários marxistas e moderados e o confronto, que originaria uma guerra civil, esteve em vias de acontecer. Salgueiro Maia identifica-se com o «Grupo dos Nove», onde pontificam, entre outros, Ramalho Eanes e Jaime Neves, e manifesta obediência ao Presidente Costa Gomes. A 25 de novembro, dia do tira teimas, segue para Lisboa com uma coluna militar para travar a deriva da extrema-esquerda no quartel do RALIS. Mas só chega no dia seguinte, com a vitória do «Grupo dos Nove» assumida. É acusado pela esquerda marxista de ferir os princípios de «Abril» e censurado pelo «Grupo dos Nove» de demora na adesão ao contragolpe.
O país entra, finalmente, na normalidade democrática e constitucional e Salgueiro Maia é «exilado», como «recompensa», nos Açores, a 10 de março de 1976. Regressa ao continente três anos depois e, para sua surpresa, é-lhe dado o comando do Presídio Militar de Santarém. Despeitado, ocupa o tempo livre a estudar e dedica-se à museologia. Só em 1984 é, finalmente, colocado na EPC, onde organiza o museu da unidade. Em finais de 1989, declara-se a doença que o vitimou, a 3 de abril de 1992; tinha 47 anos e era tenente-coronel: «o gajo ganhou», assim se referiu ao cancro. Foi sepultado em campa rasa na terra natal de Castelo de Vide.
O reconhecimento e as homenagens ficaram para o post mortem, ele que em grande medida representa a generosidade e as boas intenções de uma ação militar de risco que se esvaíram com o crepúsculo revolucionário do dia, onde já não alinhou e pagou, em vida, um injustiçado preço.

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