A opinião de ...

Será que rezamos a um Deus que não conhecemos?

Permiti que faça esta reflexão convosco, pois há uns dias que a faço a mim mesmo. É certo que vivemos um período conturbado, repleto de incertezas, de dúvidas e de medos, mas não podemos perder o equilíbrio exigido e necessário. Parece que estamos numa vivência de extremos com linguagens, respostas e comunicações de igual extremismo. Passo a explicar: basta ligarmos a TV para sermos inundados com informação que incita ao medo e à desesperança. Temos aqui a visão mais negativa do problema. Por outro lado, vemos campanhas e vídeos motivacionais que seguem o mesmo padrão: incitam ao desleixo pelos cuidados de saúde, tornam leviano o problema e incutem um optimismo falso, sem um sentido da realidade e sem espelhar a autêntica esperança. Quem de nós não recebeu já pelas redes sociais as ditas “correntes de oração”? Vejam bem que, algumas mensagens, até ameaçam com o infortúnio para aquele que não partilhar a dita corrente!
A este propósito, o comediante Ricardo de Araújo Pereira, na sua sagacidade tão própria, fez um sketch (um esboço) sobre o que os cartomantes – os ditos arautos e profetas da verdade – disseram no início deste ano de 2020. Uns afirmavam que ia ser o melhor ano, outros que seria um ano de sucessos, e assim sucessivamente. O sagaz comediante termina com ironia: terá havido alguma conspiração cómica? Eis o expoente do ridículo e do endeusamento.
Caros irmãos e amigos, na vida não há magicismos ou fórmulas mágicas para isto ou para aquilo; na vida há resiliência, instinto de sobrevivência e de cooperação, há abnegação e doação pelo outro, há transcendência e dom. Confesso que gostaria de saber quem estará por detrás destas ditas correntes de oração. Mas o que me inquieta profundamente é que sejam os católicos a partilha-las uns com os outros. Já me aborrece receber tanta mensagem dessas e com algumas ameaças de sorte e de infortúnio! Desculpem a franqueza: parem pff com isso! Afinal rezamos a quem?
Sim, algumas perguntas devem ser colocadas: o que é rezar? Rezamos a uma coisa ou a Alguém? Será que não rezamos a Quem não conhecemos? Estas e outras perguntas devem ser feitas a cada um de nós.
Como vemos nestes exemplos, falta o real equilíbrio que nos provém da fundamentação da Fé. A Fé sustenta, serena e dá sentido. É fácil cair na extremidade dos polos, mas isso não é – e nunca será – saudável. Por isso, as perguntas que vos partilhei são questões que me têm assolado nestes dias. Dá a sensação que rezamos a quem não conhecemos, pois se O conhecêssemos não faríamos e não teríamos estes comportamentos e posturas.
Permitam que faça este desabafo: será que nos dispomos – ao menos – a escutar o que os outros dizem d´Ele? De ouvir o que a Santa Igreja diz? Não posso dizer que conheço fulano se não procurar ouvir o que dizem dele e se não privar o mínimo com ele. Ora, nesta ordem de razão, também não posso dizer que O conheço se não ouvir o que dizem d’Ele e se não privar com Ele. Caros amigos, a isto chama-se relação! Só no encontro se gera relação: e sem relação não há conhecimento, e sem conhecimento não há verdade, e sem verdade não há amor.
Rezar pode até não mudar o mundo, mas muda certamente o coração, enche-nos de paz e de amor. E na nossa mudança, mudamos o mundo. Não nos esqueçamos nunca: quando rezamos fazemos sempre parte da solução! E é por isso que, nos tempos actuais, nos faltam estórias e histórias de amor, mas sobre o amor falaremos na próxima reflexão.

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