A opinião de ...

Os homens, a ciência e a Covid19

Temos vindo a verificar que exigimos muito à ciência nestes tempos de pandemia e exigimos pouco de nós próprios. Vi escrita esta frase: «A ciência moderna tem por base a sentença latina ignoramus – não sabemos» (Yuval Noah Harari, Sapiens – História Breve da Humanidade, primeira edição de bolso, 2020, edição Elsinore, Braga, pág. 295). Ora, fazendo a ligação entre a ciência e as situações concretas que vivenciamos, pareceu-me oportuno, tecer algumas reflexões, partindo da ideia que aquele frase Transmite. Terão elas oportunidade?
1.º – É sabido que os peritos, os epidemiologistas, os virologistas, os médicos, os cientistas nem sempre estão concordantes com as diversas abordagens e soluções.
a. Um exemplo: os milhares de artigos produzidos e publicados sobre este vírus, a sua génese e a sua morfologia, além de estudos sobre os efeitos que provoca sobre o organismo, demonstram que, ao longo destes meses, os homens da ciência nem sempre estiveram de acordo.
b. Outro exemplo: as posições dos investigadores nem sempre coincidentes, como se reparou ao longo da audição quinzenalmente apresentada pelos peritos sob a égide da DGS, exatamente por não se ter encontrado um rumo, uma perceção clara do que é este vírus, acrescida do surgimento de centenas de variantes.
c. Também a necessidade de definir “linhas vermelhas” orientadoras da resposta a dar ao enfrentamento das diferentes fases da epidemia.
d. Finalmente, um dos exemplos mais recentes desta luta por encontrar um rumo à vacina Astra-Zeneca, na medida em que alguns países suspenderam a sua administração por eventuais efeitos secundários, aliás raríssimos, como todos sabemos. Esta diversidade de os cientistas olharem para este vírus foi e é fonte de muitas dúvidas que se têm levantado, o que colocou, frequentemente, dúvidas aos decisores políticos.
2.º A tragédia, porque de tragédia se trata, foi acrescida pelo negacionismo, ou com outros matizes negacionistas mais suaves, que constituem, afinal, a desconstrução da luta travada pela ciência, nos seus diversos ramos. Ora, o negacionismo tem levado à rebelião dos apaniguados da liberdade, a todo o custo, que saem para a rua pugnando por direitos individuais que devem ser apreciados à luz da liberdade coletiva. Estas posições constituem um entrave à evolução do conhecimento e, forçosamente, conduzem a decisões incaracterísticas, e, sobretudo, geradoras de dúvidas difíceis de superar.
3.º – Os cientistas presumem, ainda bem, que não sabem tudo. E, como escreve o autor acima citado, «…aceitam como possível que se prove estarem erradas as coisas que pensamos saber, à medida que obtivermos novos conhecimentos». Não se pode sacralizar a ideia de que a ciência está acabada, está completa. Direi mesmo, como ouvia nos meus tempos de juventude, nos nossos dias, muda-se de século de dez em dez anos.
Esta asserção vale para todas as ciências, sejam naturais, sejam sociais.
O que nos resta, de forma lúcida, é estarmos atentos e avisados, ouvir os cientistas e acreditar no que afirmam e cumprir o que nos pedem, porque eles têm cuidado – o cuidado de permanentemente se interrogarem. Também, o cuidado de saberem utilizar novas tecnologias que revolucionam e aumentam o conhecimento. Como afirmava Maria de Sousa, médica, conhecida cientista, falecida de covid em Abril de 2021: «nenhum homem ou mulher com formação científica pode afirmar que sabe sem dúvidas».

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