A opinião de ...

Lembrando Eusébio

A primeira pessoa em Bragança a mostrar-me uma fotografia de Eusébio, foi o Senhor Augusto Poças. Benfiquista ardoroso nutria grande apreço pelo artífice da vitória em Amesterdão, que eu presenciei no café Moderno debaixo os olhares vigilantes do Sr. Roque, o qual além de ser Andrade abominava ver-nos sentados duas horas ao redor das mesas consumindo apenas um galão e um bolo de arroz, este de óptima qualidade. Julgo que o Sr. Álvaro (Florida) também terá ido ver jogo, o seu irmão Manuel era outros dos inflamados patriotas, isto é: benfiquistas na perspectiva de Benfica e Pátria serem a mesma coisa. Sou patriota moderado, mas sou, daí não vislumbrar benefício na trasladação do corpo do avançado para o Panteão. Não passa de folclore político. A primeira vez que o vi jogar ao vivo aconteceu no estádio das Antas, o Porto venceu, três a zero. Na sequência do meu múnus profissional passei a frequentar o restaurante Adega da Tia Matilde, no qual tomei inúmeras refeições ao lado de Eusébio, servidas ao balcão pelo proficiente e discreto Vasco exímio cortador de presunto. Eusébio alegrava os comeres contando pormenores da outra face da moeda do reino do futebol, alguns bem sombrios, outros recheados de picardias, truques, ajustes de contas na perspectiva do preceito: quem com ferros mata, com ferros morre. Dotado de extraordinária memória sobre o mundilho onde ocupou posição cimeira a nível mundial gostava de rever miudamente casos por ele protagonizados, sem temor pois prezava a verdade mesmo quando ela o diminuía. Através de palavras e actos vinculou-se a causas e personalidades interessadas no seu apoio dada a sua imensa popularidade, embora intuísse a parte interesseira dos “pedintes” patrocinava-os na justa medida do seu fio de viver a vida, e debaixo desse prumo, apesar de um período de apagamento a todos os níveis, não se queixava dela, antes pelo contrário teve-a cheia, repleta de alegrias e regozijos. De vária ordem. O Dr. Soares realçou a sua incultura e apego ao uísque, não devemos levar a mal as palavras do político socialista. Temos de o compreender, na sua óptica, a emoção e comoção de milhões de portugueses ante a morte do soberbo futebolista é desaforo tremendo. Terá pensado: quando morrer não vou gerar o pesar conseguido por Cunhal na hora do adeus, menos ainda a consternação que Eusébio suscitou e continuará a suscitar. A vaidade dos homens é incomensurável.
 

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3456

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