A opinião de ...

Compor música sacra ainda está na moda?

Com a extinção das ordens religiosas e consequente encerramento das escolas a estas ligadas o panorama musical em Portugal declinou consideravelmente. De facto, muitos dos compositores que alimentavam a liturgia quotidiana nos grandes centros de produção musical em Portugal eram oriundos des locais de ensino associados a estas. O mais conceituado de todos - o Real Seminário da Patriarcal - foi o responsável pela formação dos mais conceituados compositores portugueses até à sua extinção.
Com o cenário descrito anteriormente, a composição de música sacra - correlacionada com a prática de encomendas de novas obras e por missão diária dos mestres de capela - estava assegurada.
Após a extinção das ordens, e até à actualidade, não conseguimos encontrar um local de formação capaz de assegurar o ensino da música sacra com os mesmos padrões que os compositores formados na Patriarcal se destacavam.
Agregamos à contingência descrita as alterações rituais providenciadas pelo Concílio Vaticano II. As rápidas alterações que a aceitação do vernáculo introduziu, a falta de preparação dos músicos e das próprias comunidades levou a que, numa fase inicial, se adaptasse a música existente à nova realidade.
Por último, a perda de poder e capital da Igreja em muito contribuiu para diminuir o número de encomendas de novas obras musicais. E devemos lembrar-nos que a deficiente preparação dos cantores e demais música associados à Igreja em muito contribuiu para esta diminuição de novas obras.
Tudo isto contribuiu para que a composição de música sacra fosse um nicho demasiado pequeno e pouco apelativo à sustentação do compositor.
Mas apesar de tudo compor música sacra ainda está na moda, mas num patamar mais elitista e desfasado da sua génese. Ao longo dos últimos anos observamos vários compositores a escreverem obras sobre textos sagrados, em formas e modelos associados à liturgia e socorrendo-se da tradição eclesiástica. Muitas destas obras não tinham como propósito inicial a execução em contexto ritual mas sim a sua introdução em salas de concerto ou adaptadas a cerimónias civis. Observemos no último caso a Grand Messe des Morts de Berlioz mas também o War Requiem de Britten ou as obras desta génese de Stravinsky.
Podemos agora responder à questão inicial. Sim, compor música sacra está na moda mas desfasada da realidade que lhe é basilar: o ritual.
Espera-se que reflexões como as proporcionadas pela CIMS possam resultar numa saudável mudança de paradigma.

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