A opinião de ...

Nun’Álvares Pereira, do Campo de Batalha para o Altar do Mundo

Nasceu no dia de São Baptista de 1360 (Cernache do Bonjardim) e aponta-se-lhe o dia de Todos os Santos de 1431 (Convento do Carmo, Lisboa) como data de padecimento. Premonitório!
Ícone Português, o tempo de D. Nuno Álvares Pereira fechou o ciclo fundacional da Nação Portuguesa, um espaço temporal de dois decénios firmado pela espada e pela cruz e que tem no Condestável que foi e no Santo que é a simbiose perfeita do Estado-Nação que somos! Realmente, a sua vida e obra calam fundo no imaginário português, para quem o Homem é um modelo de virtudes, o militar um «saber de experiência feito» e o Santo a exaltação espiritual de um humilde.
No contexto da Guerra da Independência, sobretudo entre 1384 e 1390, D. Nuno parece um comandante sempre a correr para a meta e que está em todo o lado. Sôfrego pelo combate, louco nas ações desencadeadas, presente onde cheira a pólvora. Assim o observamos em todo o tipo de operações, sejam cercos, guerra guerreada, escaramuças, ardis ou emboscadas, demonstrações de força, batalhas campais. Vemo-lo a pelejar nas imediações de Lisboa, onde D. João está a braços com apertado cerco castelhano, no Alentejo a organizar gente para a guerra, enquanto batalha a destempero, no Minho e em Trás-os-Montes na procura de submissão de praças, em Abrantes, de onde arranca para Aljubarrota ao encontro do «branco no olho do inimigo», em incursões pela raia espanhola, ainda e sempre à procura do confronto, da batalha, de desafios …. de adrenalina! Parece não existir ordem nem método, ponderação e bom senso, racionalidade e proporcionalidade, sobrando um egocentrismo desmedido que não pede meças à divina providência, assumindo-se senhor do seu destino e farol da própria comunidade.
E, no entanto, estamos perante um comandante de teatro sem paralelo, a quem não se lhe conhece o sabor amargo da derrota: Atoleiros, Monsaraz, Portel (1384) Aljubarrota e Valverde (1385), Bragança (1386), Ceuta (1415) … Porque nem sempre, e não a todos, a sorte protege os audazes, em D. Nuno há muito mais do que simples paixão pela guerra, ódio ao inimigo ou acasos na condução das operações militares. O normativo que o orientava é uma trilogia de Amor e fidelidade inegociáveis: i) a Trindade de Deus por intercessão da Virgem Maria, que o guiava e protegia, como se uma missão divina lhe fosse cometida; ii) a Pátria, pedaço de terra herdada dos «nossos maiores» e a defender com o sangue dos imortais; iii) o Rei, investido pela graça de Deus e representante da comunidade.
Trilogia que é a seiva que lhe corre nas veias, lhe reveste a alma e o impele, tal como a armadura lhe protege o corpo, na bainha da espada está gravada a sua coragem e no estandarte mariano a identidade que o reconhece e anima os seus. Tão audacioso D. Nuno é na ações de comando, como duro e generoso para com os seus homens; implacável durante o combate, é magnânimo nas vitórias e humano para com as populações, fazendo jus ao conceito agostinho de guerra justa: razões adequadas; autoridade adequada; moderação e correção na conduta.
D. Nuno Álvares Pereira foi um comandante de teatro arrojado, mas também ponderado, experiente e conceituado. Se tivéssemos de o caracterizar como comandante militar resumíamo-lo a uma frase: estrategicamente rápido a decidir; taticamente prudente a executar. Pergunta Fernando Pessoa: “que auréola te cerca?”. “A luz da espada” que, qual excalibur, D. Nuno brande para a “estrada se ver” (in Mensagem) e a Nação Portuguesa acontecer. «Por Portugal e São Jorge», a Batalha Real de Aljubarrota, travada há 638 anos, é a sua coroa de glória. A «Rainha das batalhas do Exército Português», que sustentou a independência de Portugal e definiu a sua nacionalidade.
D. Nuno, a quem podemos aplicar as derradeiras palavras bíblicas do apóstolo São Paulo no final da sua epopeia evangelizadora: “Combati o bom combate, terminei a minha jornada, guardei a fé. Agora só me resta a coroa da justiça que o Senhor, justo Juiz, me entregará …

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