A opinião de ...

Ordália…

Ordálio ou ordália era uma prova processual ordenada por um juiz para determinar se o acusado era culpado ou inocente da prática de um crime. Também a ordália era tida como Juízo de Deus por nesta prova processual serem usados os elementos da natureza criados por Deus, o fogo e a água. No entanto, apesar de a ordália estar associada à criação dos elementos da natureza por Deus, não podemos esquecer que a Igreja Católica, durante a Idade Média, em vários concílios, reprovou e proibiu repetidamente este meio de prova jurídica; o clero foi proibido de cooperar nos julgamentos com a prova pelo fogo e pela água e a aconselhar a substituição desta prática pelo juramento e testemunho por considerar estes meios de prova mais racionais e humanos nos Tribunais. No entanto, no período da Inquisição foi largamente usada pelos Tribunais do Santo Ofício. Em qualquer dicionário encontramos a definição de ordálio: prova jurídica, Juízo de Deus sem combate, usada na Idade Média.
Há referências à prática de ordália pelo fogo e pela água no código de Hamurabi, na antiga Grécia e durante o Império Romano e na Idade Média. A pessoa acusada de ter cometido um crime era submetida a uma prova física para provar a sua inocência. Acreditava-se na intervenção divina (ou dos deuses) durante a prova judicial. Se o acusado era inocente, Deus intervinha e acontecia o milagre, já que o acusado não sofria quaisquer sequelas daqueles elementos da natureza, (fogo e água). O fogo era simbolizado pelo ferro quente em brasa e a água pela própria água a ferver pelo fogo. Mas, como se procedia a tal prova? O acusado era submetido à prova do fogo: na presença do juiz, punham na mão do acusado um ferro em brasa; a mão do acusado era depois embrulhada em panos; passados três dias, o juiz examinava a mão; se mostrasse sinais de cura, o acusado era considerado inocente e posto em liberdade; caso contrário, era culpado e sofria o respectivo castigo, normalmente a pena de morte dado a ordália apenas ser praticada nos crimes mais graves, como os de homicídio, roubo, aborto e adultério. Com a água a ferver havia os mesmos procedimentos processuais tendo o acusado de meter a mão numa panela cheia de água a ferver.
A prova da inocência pelo fogo e pela água (ferro em brasa e água a ferver) foi sendo substituída, ao longo da história, por outras práticas também um pouco perversas. A título de exemplo, a prova pela cruz, pela água gelada, lançamento à água, pelo duelo e a confissão obtida por maus tratos físicos. Pela prova da cruz: para ver quem tinha razão, ou estava a mentir ou havendo vários suspeitos, as pessoas ficavam de pé, frente a frente com os braços estendidos, imitando Cristo na cruz: o primeiro a baixar os braços era considerado culpado. Esta prática foi abandonada por ser considerada uma blasfémia a Jesus Cristo. Na prova da água gelada com a cabeça de fora, o acusado era metido num tanque com água gelada durante várias horas; se saísse da água sem apanhar alguma doença causada pelo frio era considerado inocente, se morresse durante aquele banho forçado era culpado… Também o acusado podia ser lançado a um rio ou lago atado de pés e mãos; se boiasse, o que deveria ser difícil, era considerado inocente; sendo a água um elemento puro da natureza, eliminava um corpo vivo impuro como é o corpo de um criminoso; era a prática mais usual para condenar as bruxas, durante a Idade Média. Nessa época, a prova pela confissão do acusado era a mais usual e, ainda hoje, pelos regimes de ditaduras de certos países; obriga-se um cidadão a confessar usando todos os meios, tortura física, psicológica e outras; com base na confissão obtida desta forma o Tribunal já pode condenar!.. Felizmente, na maior parte dos sistemas jurídicos modernos a confissão não vale em direito processual penal se esta não for acompanhada de provas e não são permitidas quaisquer violências para obter provas ou confissões.
Para terminar, algumas curiosidades: na Idade Média, só os nobres (homens ou mulheres) podiam ser submetidos à ordália pela prova de fogo, sendo a prova da água a ferver apenas destinada aos servos. No direito visigótico a ordália era realizada metendo a mão em azeite a ferver em vez da água (talvez pela abundância de azeite no sul da Península Ibérica). O duelo teve origem na prática da ordália, pois era uma forma de resolver as questões de honra (e não só) entre duas pessoas: o vencedor saía gloriosamente inocente e o perdedor era o culpado e recebia como castigo a morte pelas mãos do inocente…
Enfim… o homem criou cada forma de fazer justiça!

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