Bragança

Produtores de gado desesperam com falta de alimento para os animais e anteveem um inverno “ainda pior”

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-05-25 11:55

O verão vai ser mau por causa da seca que atravessa o Nordeste Transmontano mas o próximo inverno “será ainda pior”. A garantia é deixada por vários produtores de gado ovino com quem o Mensageiro falou durante o concurso nacional da Raça Churra Galega Bragançana branca e da preta que se realizou em Bragança, na sexta-feira.

“Está a ser um ano mau. Não chove, as comidas já secaram, não há feno para recolher. Vai estar pior do que no ano passado. Ainda tínhamos alguma coisa que vinha do ano de trás mas este ano, este frio queimou os lameiros e já não há nadinha.

O que lhes vamos dar no inverno? Os lameiros não têm nada. Queimaram-se”, lamentava Aquiles Rodrigues, de Pinela (Bragança), que tem quase 200 ovelhas.
Já Delmino Ferreira, de Grijó de Parada, tem cerca de 300 animais, entre ovelhas e cabras.

“Agora ainda há ramais das árvores mas no inverno vai ser complicado. Tenho milho para semear mas sem chover não adianta, porque não vai nascer.

O centeio antigo está bom. Pode não bagar como devia mas tem palha boa. É o centeio da nossa zona. Agora, os trigos e as aveias, está tudo pequenino”, lamenta.

Por isso, defendem que devia haver mais apoios para que os produtores possam dar de comer aos animais.

“Eram precisos apoios às rações, que estão muito caras. E aos adubos. Custavam sete ou oito euros e agora estão a 20, quase o triplo. É muita coisa. Antes, os animais andavam pelos campos. Hoje não, têm de comer muito. Cada saco de milho custa 80 euros”, atira Aquiles Rodrigues.

O presidente da Associação Nacional de Caprinicultores da Raça Serrana, que gere o livro genealógico da Cabra Preta de Montesinho, António Neves, defende “mais apoios para os agricultores”, até pelo trabalho que os animais desenvolvem na prevenção de incêndios, ao manter o mato limpo junto às aldeias.

“Fala-se de abandono dos campos, de êxodo das pessoas destas regiões para os centros urbanos mas isso acontece por causa da falta de apoio. As pessoas fixam-se nos meios rurais mas é se tiverem dinheiro para cá viver. Se não houver, têm de procurar outras fontes de rendimentos.

É cada vez mais importante que os municípios se envolvam na preservação deste modo de vida, que é a pecuária. Estas pessoas estão no território os 365 dias por ano e trabalham de sol a sol”, sublinhou.

O vereador da Câmara de Bragança, Miguel Abrunhosa, que acolheu a 36.ª edição do concurso nacional de ovinos e sétima de caprinos da raça preta de Montesinho, diz que tem havido apoios da autarquia.

“O Município tem apoiado estas iniciativas porque entendemos que o setor primário e de forma particular o pecuário é estratégico para o desenvolvimento dos territórios rurais. Não apenas pelas dinâmicas económicas que envolve mas também numa perspetiva de sustentabilidade ambiental. Os animais têm um papel importante na prevenção dos incêndios. São dinâmicas que importa continuar a apoiar, para que os nossos territórios continuem a estar ativos, com atividade económica e contrariem o despovoamento a que assistimos”, frisou Miguel Abrunhosa.

O vereador considera que este foi “o maior concurso realizado até à data, com cerca de 400 animais, 47 criadores, oriundos de vários concelhos do distrito mas, também, de Vila Real (Chaves)”.

Manuel Rodrigues, Secretário Técnico da Raça Churra Galega Bragançana branca e da preta, garante que a seca ainda não afetou a qualidade dos animais que participaram no concurso.
“A seca está a afetar mas não o concurso. Os animais têm cada vez mais qualidade, os produtores tratam cada vez melhor deles.

Esta é uma raça autóctone, de há muitos anos. São animais bastante bonitos, que se adaptam bem a este território”, frisou.

No entanto, admite que a situação para os produtores é difícil e que alguns se podem ver “obrigados a vender alguns animais” para conseguirem aguentar as despesas da alimentação dos restantes.

“Hoje, um gado dá para comer e mal. Antes, quem tivesse 200 ovelhas ainda juntava dinheiro. Hoje não. Só vivo disto. Ainda fazia duas coroas de castanhas mas desapareceram.
Agora não juntamos e gastamos o que tínhamos.

A gente nova, gente com juízo, não quer isto. Isto é uma prisão.

Agora, quem já vem de trás, que vai fazer?”, desabafa Aquiles Rodrigues.

Se o concurso de ovinos reuniu 40 produtores e mais de 300 animais, o concurso de caprinos também mostrou a vitalidade da raça de Montesinho.

“Tivemos oito produtores, cerca de 40 animais inscritos, o que é muito bom para uma raça com cerca de 1800 animais”, frisou António Neves.

“É uma raça que já existia. O solar situa-se em Bragança e Vinhais. Havia um número significativo de exemplares mas tem-se melhorado de há uma dúzia de anos a esta parte. A raça está hoje muito melhor”, garante o presidente da ANCRAS.

Por isso, apesar das dificuldades, os produtores mostram-se resilientes, até porque esta é uma forma de vida.

“Isto já vem desde que sou garoto. Tenho mais de cem cabras e mais de 300 ovelhas. Fui criado com elas. Agora já não mudo”, conclui Delmino Ferreira.

Assinaturas MDB