A opinião de ...

Ainda e sempre, o Homem e a Natureza

Na badana esquerda do magnífico romance Admirável Mundo Novo (1932), escreveu Aldous Huxley: «Este livro é um apelo à consciência dos homens. É uma denúncia do perigo que ameaça a humanidade, se a tempo não fechar os ouvidos ao canto da sereia do falso progresso: anular-se na “fordização”1 ou, como o Selvagem, optar pelo suicídio». O falso progresso, o omnipresente consumismo, temperado por comportamentos pouco ou nada saudáveis – tudo em vias de conduzir o Homem e a Natureza ao seu fim. O fim do Planeta.
Cerca de oitenta anos depois, o Papa Francisco convoca-nos, na Carta Encíclica Laudato si, a olhar serenamente para o cuidado da “Casa Comum”. Que bela expressão esta: Casa Comum! Desta Carta (que vale a pena ler), transcrevo um parágrafo: «Os jovens exigem de nós uma mudança; interrogam-se como se pode pretender construir um futuro melhor, sem pensar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos». E refere-se à relação íntima entre a fragilidade do Planeta e os pobres, os excluídos, os migrantes, fazendo um apelo ao contínuo e exigente debate sobre o “progresso” e sobre “o sentido humano da ecologia”. Creio poder deduzir que Jesus, na Sua Mensagem, não poderia conter a expressão “Pobres sempre os tereis…a mim é que não”, pois o que Ele pregava era o fim da pobreza e dos pobres. Algo que as didascálias teológicas se encarregaram, durante séculos, de desprezar: os pobres existirão sempre…Pobres, desfavorecidos, desalojados, esfomeados, vilipendiados, vergastados, cativos, pobres de espírito – não, Ele desejou sempre construir um mundo novo, para os libertar da escuridão e do jugo espiritual e material. Não como um triunfo político, mas como conquista da igualdade de todos os seres humanos.
Como afirmava Jorge Sampaio – repetidamente evocado por diversas personagens no momento da sua partida – “nenhum ser humano é dispensável”. Não é preciso ser crente para acreditar no Outro; não é preciso ter ferramentas especiais, designadamente erudição e conhecimentos universitários para olhar o Outro, nas suas forças e nas suas fraquezas. O meu amigo João, pastor desde garoto, não frequentou a universidade nem sabe como se desenvolveu o processo civilizatório nos diversos continentes, mas sabe, à custa da sua inteligência natural, o que “custa o desperdício, o que custa ver gastar a mais”. Ou, como há dias se interrogava: “o que leva alguns homens a fazer de outros homens servos ou escravos, e como é que alguns têm tanto e outros nada têm de seu?” E realçava-me: “veja lá, como é que o Planeta pode resistir, se não tratam dele, se não o cultivam, em vez de o explorarem até ao seu fim”. Eis aqui a verdadeira dimensão ética e humana do Homem – a visão antropológica, preocupada com os seres humanos e com a Natureza. Um rotundo não ao etnocentrismo. Tens razão, João.

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3851

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