A opinião de ...

Económico com Queijo Terrincho (e outras transmontanices)

O Nordeste transmontano tem um gastrónomo de eleição: Virgílio Gomes. Há alguns, poucos, que lhe seguem os passos. Os restantes, não passam de aprendizes. O Prémio da Literatura Gastronómica 2022, atribuído, este ano, pela Academia Internacional de Gastronomia à sua obra À Portuguesa, na sequência do Grande Prémio de Literatura Gastronómica, com que foi agraciada, em 2015 a sua obra Dicionário prático da Cozinha Portuguesa pela Academia Portuguesa de Gastronomia, mais não são do que a confirmação do talento, do conhecimento enciclopédico e, sobretudo, da elegância com que o Virgílio fala e escreve sobre a gastronomia em geral, mas, sobre a nossa, muito em particular. Nos seus escritos, o bragançano agarrando-se firmemente à tradição, colhida no ritual das refeições familiares, não deixa de acolher as novidades contemporâneas que, sem desvirtuar aquela, a enriquecem e modernizam. Da “alheira de bacalhau” afirma, repetida e enfaticamente que, não tem nada contra o produto em si (“É mais um enchido”, diz) desde que não se chame alheira. É possível caminhar para a modernidade sem atraiçoar a tradição.
O seu conhecimento é global (recentemente respondeu de forma afirmativa e empenhada ao desafio de falar sobre a gastronomia arménia), embora especializado na cozinha portuguesa, porém, é a forma de cozinhar (e comer) no nordeste que faz evidenciar a mais valia do entendimento construído por cima da experiência e da memória de décadas. Lê-lo, mais do que a excitação das papilas gustativas, desperta recordações, transporta-nos aos lugares de origem e aos respetivos tempos, muitas vezes anteriores ao ato da confeção (a alheira começa com a matança do porco), aos rituais e supostos pormenores que não são apenas detalhes (“as tripas do porco que hoje são recolhidas em recipientes de plástico eram, então, recebidas em cestos de verga forrados com panos de linho, para que não se rasgassem) e aos rifões que, em gastronomia, são muito mais do que isso, antes representam a súmula do conhecimento e sabedoria secular (leitão de mês, cabrito de três), lembrando as recomendações que, apesar de todos sabidas, eram repetidas talvez para memória futura (na Lua minguante não se mata o porco para evitar que as carnes minguem ao cozinhar). Os seus escritos sentam-nos à mesa e, para surpresa minha, até o que julgava ser uma inconfessável bizarria, afinal tinha razão de ser e o gosto pela “excentricidade” afinal não era gesto esquisito mas prática variada e algo comum como o hábito, que dá título a esta crónica, de juntar bom queijo terrincho a uma fatia de económico, ao pequeno almoço.
Virgílio Gomes é um escritor de sensações, de ambientes, de tradições vividas. Não pode, obviamente, ser cotejado com quem se arvora de gastrónomo pelo simples facto de ter reunido uma coleção significativa de receitas e modos de cozinhar (genuínas ou nem tanto – para ser à transmontana não basta que seja hoje confecionada no Reino Maravilhoso ou, algures, por transmontanos!), por mais pormenorizadas e “científicas” que pretendam ser. Melhor e de forma mais rigorosa do que isso, qualquer Bimby faz, na perfeição. Esta, propondo-se fazer vários tipos de pão, garantindo que um deles é o “pão caseiro”, não o há de ser na plenitude por inncapacidade de o benzer, à boca do forno:
“S. Vicente de acrescente
S. Mamede te levede
S. João te faça pão”

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