A opinião de ...

O tempo que parou e que nos parou

Agridoce. É este o sabor que fica no paladar depois de uma volta por uma qualquer cidade ou vila do Nordeste Transmontano, uma terra em que o tempo quase parou mas em que temos vontade de acelerar os ponteiros do relógio. Até um outro tempo, lá mais à frente, que esperamos não seja longínquo mas em que a nova normalidade seja tão normal como a velha.
Verão. A alegria do reencontro foi substituída pelo fugaz, fugidio olhar. Ruas desertas, lojas vazias. Alegria contida no passado à espera de um futuro distante. Um verão que parece que não é verão, enquanto espera a chegada do verdadeiro, de calor a queimar a face na esplanada.
A volta à cidade ou à vila tornou-se rápida. Não se para para a conversa de circunstância com o amigo, não se estaciona no café a falar com o familiar sobre o ano decorrido.
Distância. Física, na medida do possível. Na alma, mais do que a conta. O calor da rua substitui o calor do afeto.
Presente em muitas conversas, falado de surdina, o bicho que nunca mais desanda.
Este é o tempo em que o tempo parou à espera do novo tempo. Só esperamos ter tempo até que esse tempo venha.
Mas há quem resista, quem faça da resiliência o estado de alma. Coragem, em tempo de medo.
No Nordeste Transmontano, vários negócios florescem quando tudo o resto parece entrado no outono.
São os exemplos que iluminam o caminho e emprestam a esperança que falta no futuro que nunca mais vem. Vai ficar tudo bem.

A covid-19 é um desafio à nossa existência. Não só enquanto indivíduos e seres vivos mas, sobretudo, à nossa existência enquanto seres sociais, peças de uma engrenagem, num bailado conjunto.
Numa altura em que a individualização levava a que, cada vez mais, se convivesse menos, e menos ainda sem a mediação de um ecrã, a presença do vírus entre nós veio aprofundar essa barreira.
O calor humano, o café com dois dedos de conversa, o olhar nos olhos de quem nos enfrenta. Não se pode, não dá. Mas não se perca a essência que nos une por uma existência desgarrada.
O perigo? Deixarmos de saber quem somos e o que fazemos aqui, lado a lado. Uma sociedade anestesiada, contra o outro, contra a violência, para a futilidade.
Um passo atrás. O que somos e o que queremos?
Como lembrava o Papa Francisco no Ângelus de domingo, “se não cuidarmos uns dos outros, começando por aqueles que são mais afetados, incluindo a criação, não podemos curar o mundo. É digno de elogio o empenho de muitas pessoas que nos últimos meses têm dado provas do amor humano e cristão ao próximo, dedicando-se aos doentes mesmo com risco da própria saúde. Eles são heróis. No entanto, o coronavírus não é a única doença a ser combatida, mas a pandemia trouxe à tona patologias sociais mais amplas”.
“A fé exige que nos deixemos ser curados e convertidos pelo nosso individualismo, tanto pessoal quanto coletivamente. Que o Senhor “restaure a nossa vista” para redescobrir o que significa ser membros da família humana. E que este olhar se traduza em ações concretas de compaixão e respeito por cada pessoa, de cuidado e responsabilidade pela nossa casa comum”, concluiu o Papa Francisco.

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