A obra do resgate dos marranos em Lagoaça
(Continuação da edição anterior)
Antes de falarmos especificamente de Lagoaça, não quero esquecer o grande estudioso do judaísmo, nomeadamente nordestino, chamado Amílcar Paulo, com profundas raízes na vizinha freguesia de Fornos. Também o Abade de Baçal, no V volume, fala nos judeus de Lagoaça.
Para não vos enfadar mais, vamos a Lagoaça.
Na sinagoga do Porto, situada na rua Guerra Junqueiro, o capitão Barros Basto, criou uma “escola” yechiva, onde vários alunos aprendiam o judaísmo correcto e, após a sua formação, eram distribuídos pelas várias comunidades, sobretudo do interior do pais, para aí ensinarem os judeu marranos o autêntico judaísmo. Para esta zona de Trás-os-Montes veio o Reverendo Moisés Abrantes, natural da Beira (do Fundão ou da Covilhã). Eu tive o privilégio de conhecer pessoalmente o Moreh Rev. Moisés Brito Abrantes. Foi num encontro histórico, realizado em Trancoso, nos finais dos anos 80, sobre os judeus nas Beiras. Nas apresentações, eu referi que vivia em Mogadouro. Foi então que vi um ancião de cabelo completamente branco que, ao ouvir a minha residência, arregalou os olhos, num misto de espanto e de saudades. Então, num intervalo, ele disse-me “-Sabe? Eu já ensinei em Lagoaça e Vilarinho dos Galegos…”. Fiquei espantado…e, logo trocamos endereços e telefones. Soube, mais tarde que tinha uma livraria no Fundão (onde então residia) e que tinha vários livros publicados. Mandei vir os seus livros, pois pensava que falariam da sua experiência nas nossas terras mas, para desgosto meu eram de poesia…
Quero partilhar convosco a notícia do jornal da comunidade judaica do Porto (Ha-Lapid), integrado no movimento da “Obra do Resgate”, publicado em 1934 ”- OBRA DO RESGATE EM TRÁS-OS-MONTES” – No dia 18 de Outubro passado partiu para Trás-os-Montes, como missionário da “Obra do Resgate” o Moreh Rev. Moisés Brito Abrantes.
Em Lagoaça aguardavam a sua chegada muitos marranos (cristãos-novos), apesar de ser dia de trabalho, e entre eles a família dos Talmidim, por estes avisados.
Fez em várias casas de marranos orações e homilias, esforçando-se e conseguindo reavivar a fé dos nossos antepassados já um tanto amortecida. Ali formou uma junta judaica e seguiu para Vilarinho dos Galegos onde criou duas escolas: uma para meninas, frequentadas por cerca de 20 alunas e outra para rapazes, frequentada também pelo mesmo número de alunos.
Às suas orações, parte em português, parte em hebraico, assistiam normalmente cerca de 80 pessoas, em média. As orações eram finalizadas por homilias nas quais fornecia o conforto espiritual.
Fadou em acto solene as seguintes meninas: Lucinda D’Almeida, Raquel Davim, Cândida D’Almeida, Raquel Guilhermina Lopes, Ester Branca Rodrigues e Ernestina Branca.
Na sua qualidade de preceptor israelita visitou as povoações de Vilar do Rei, Vila D’Ala, Mogadouro e Fornos, nas quais falou com vários marranos.
A 23 de Janeiro regressou ao Porto, tendo sido saudosamente sentida a sua partida sobretudo em Vilarinho dos Galegos, lugar em que mais se demorou.
As juntas ficaram assim constituídas:
LAGOAÇA
Presidente – Acácio D’Oliveira
Secretário- Manoel Augusto Carpinteiro
Tesoureiro- Acúrcio Moreira
VILARINHO DOS GALEGOS
Presidente- Manoel Lopes Rodrigues
Secretário – Francisco José Rodrigues
Tesoureiro- Artur Augusto Rodrigues”
A parte mais importante das habitações da gente judaica, em Lagoaça, (sendo, possivelmente as mais ricas) eram no Bairro de Cima (na zona da Rebola), a da gente mais modesta (mas muitos também eram descendentes de judeus) no Bairro de Baixo, também conhecidos, creio, que por “penicheiros”. Conheço um amigo meu que ia, quando estava em Trás-os-Montes, celebrar o Shabbat a Lagoaça com um seu amigo, que praticava o judaísmo, mas que, infelizmente já faleceu. Espero ter contribuído, com este meu modesto trabalho, para se fazer alguma LUZ sobre a história dos judeus marranos de Lagoaça. SHALOM