Nordeste Transmontano

Produtores de mel com quebras de 80 por cento temem pela sobrevivência

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2022-09-08 09:10

Os produtores de mel do distrito de Bragança temem pela sobrevivência do setor devido aos efeitos da seca, dos incêndios e da crise económica.
“Andei na cresta nos últimos dias e gastei mais dinheiro do que tirei de mel”, contou ao Mensageiro Bruno Teixeira, produtor com mais de 500 colmeias no distrito de Bragança.

As quebras este ano rondam os 80 por cento devido à seca, que afetou a floração da flora.

“É um balanço muito mau da campanha deste ano. Péssimo mesmo. Temos perdas de 80 por cento. Normalmente, estamos com 30 mil colmeias. Produziam 12 kg por colmeia, ao preço indicativo de 4 euros”, exemplificou Manuel Gonçalves, presidente da Associação dos Apicultores do Parque Natural de Montesinho.
Este responsável aponta para perdas superiores a um milhão de euros.

Também na terra Quente Transmontana o cenário é idêntico.
José Carneiro, presidente da Associação de Apicultores do Nordeste, com mais de 500 produtores, aponta para perdas “na ordem dos 80 por cento”. “Temos o receio de que muita gente vá abandonar a atividade”, frisou, em declarações ao Mensageiro.

Para José Carneiro, este é “o pior ano de sempre” do setor, pois ao problema dos incêndios que afetam muitos apicultores no verão, juntaram-se, este ano, “as alterações climáticas”.

Mirandela é o segundo concelho do país com mais colmeias (mais de nove mil) e, por isso, um dos mais afetados.
Perante este cenário, os agricultores queixam-se de “falta de apoios” do Governo.

Manuel Gonçalves, da Associação de Apicultores do Parque Natural de Montesinho, que tem cerca de 300 associados, diz que “não houve abertura nenhuma do Governo” para apoiar o setor, “a não ser nas zonas onde houve incêndios”.

“Falámos em três quilos de alimentação por colónia, foram aprovados, mas estão a chegar apenas 700 g aos apicultores”, denuncia.

Para além disso, aponta uma “discriminação face aos outros setores” da agricultura. “Todos têm um programa de ajuda menos a apicultura”, lamenta.
Por isso, acredita que será “normal” muitos apicultores desistirem da atividade.

“Há produtores que não têm rendimento. A nossa função é sensibilizá-los. Tem de haver da parte da tutela algum estímulo para que, nestas situações, possam minimizar os custos e os prejuízos.

Estamos no terceiro ano de quebras consecutivas. Este foi um ano totalmente atípico e espero que seja passageiro”, sublinha.
Apesar de o número de apicultores instalados até estar a diminuir, nos últimos anos tem havido um aumento de efetivo de cinco por cento ao ano. Mas Manuel Gonçalves teme, agora, que a desistência venha contribuir para um maior despovoamento da região.

“Todo o interior do país tem uma apicultura fixista. Vêm para a sua terra e aqui têm as suas explorações”, aponta.

Receio pela sobrevivência da espécie

Por outro lado, a seca está a deixar em risco a própria sobrevivência das abelhas.
“Com estas condições, não há sobrevivência possível para insetos polinizadores. Não é possível a biodiversidade funcionar. Se é uma questão climática, é geral e que deve merecer o apoio dos Governos. Na apicultura tem havido vontade das tutelas regionais mas na tutela nacional há ajudas para toda a gente menos para o setor apícula”, explica Manuel Gonçalves.

Também o produtor Bruno Teixeira está receoso pelo futuro.

“O que mais nos preocupa neste momento é a sobrevivência das abelhas pois não têm alimento”, diz.

“Para além da seca que houve, geraram-se efeitos secundários. As flores secaram e, ao não haver biodiversidade, as abelhas não têm como produzir. Mas, para além de haver pouco mel, o problema é saber como vamos manter as abelhas. Quem não tiver capacidade financeira para manter as abelhas como vai fazer? As abelhas não têm reservas para se manter durante o inverno”, explica este apicultor brigantino.

Frutos secos também em risco

Mas a seca ameaça afetar, também, outras produções na região, com um papel importante na economia regional, como a castanha ou as nozes.
“A seca pode contribuir para redução de 40 a 50 por cento na quantidade, para além de uma redução do calibre”, antevê Carlos Silva, vice-presidente do Centro Nacional de Competências de Frutos Secos, sediado em Bragança.

“O mesmo para a amêndoa tradicional. Estes efeitos vão sentir-se em todos os frutos secos. Na noz há uma notória redução de calibre e da quantidade, sobretudo nas produções sem rega”, frisa.

No entanto, a “chuva que vier só poderá ajudar a melhorar os calibres”, pois já não é possível as árvores aumentarem a produção de frutos.

 

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