Entrevista a Pedro Oliveira - BE

“Bragança é, seguramente, o distrito mais abandonado que temos”

Publicado por António G. Rodrigues em Sex, 2019-10-04 14:25

Mensageiro de Bragança: Como surgiu este desafio de ser candidato por Bragança?

Pedro Oliveira: Eu já tinha sido candidato às Europeias aqui por Bragança. Uma pessoa que nasceu em Lisboa e ali viveu praticamente toda a vida, começa a perceber que temos dois países. Quando comecei a vir mais para o Interior percebi que havia uma grande desigualdade. Foi uma das regiões que me fez sair de Lisboa. Se queria fazer algum tipo de ativismo, tinha de ser em Trás-os-Montes. Mesmo dentro da região, existe uma grande desigualdade entre Vila Real e Bragança. Foi o que me fez aceitar a candidatura, por perceber que dentro da interioridade há distritos mais abandonados do que outros. Conheço praticamente todo o Interior do país e Bragança é, seguramente, o distrito mais abandonado que temos.

 

MDB.: De que forma constata isso?

PO.: Em primeiro lugar, não há infraestruturas, não há investimento no Interior, não temos mobilidade, não há transportes públicos em Bragança. Existem na cidade mas ainda há pouco tempo foi suprimida uma ligação em Vinhais. Agora têm de fazer transbordo. E isso não serve as pessoas. Precisamos de um sistema de mobilidade que sirva as pessoas, que não esteja dependente do lucro das empresas e que seja um serviço verdadeiramente público.

Se estivermos em Vinhais e quisermos ir a Freixo de Espada à Cinta demoramos duas horas a chegar. As pessoas de Freixo, se quiserem trabalhar noutro concelho, não conseguem.

 

MDB.: Foi essa noção das distâncias que o chocou mais?

PO.: Foi. Por exemplo, posso-lhe confessar que em Lisboa seria incapaz de ir jantar a Cascais, porque demorava muito tempo a chegar. Com autoestrada, seriam uns 20 minutos. Hoje, se calhar, faço uma hora e meia para ir jantar a Moncorvo sem problema. Mas isso não serve as pessoas. Parece que as pessoas se vão habituando a esta interioridade e não se sai deste círculo.

 

MDB.: Há quanto tempo saiu de Lisboa?

PO.: Há cinco anos. Trabalho no IPB. Os contratos são precários mas resisto.

 

MDB.: O que lhe agradou mais na região?

PO.: As pessoas terem qualidade de vida, mesmo sem essas infraestruturas. Em termos pessoais sinto que tenho uma qualidade de vida que não tinha em Lisboa. Mas não nos podemos resignar. Somos dos distritos que menos fundos europeus recebe. Não temos linha de comboio e essa é uma das reivindicações do Bloco, a reativação da linha do Tua.

 

MDB.: Até onde?

PO.: Até Bragança e a internacionalização até à Sanábria.

 

MDB.: Isso implica atravessar um parque natural…

PO.: Implica. Devemos preservar o Parque nunca esquecendo as pessoas que lá vivem. Não têm culpa. Tem de haver aqui uma união quase perfeita entre as pessoas e a natureza, para que possam todos viver em harmonia. Mas a linha do Tua teria de passar no Parque Natural.

 

MDB.: É um investimento realizável, com o baixo número de votos no distrito?

PO.: Isso leva-me a dois pensamentos. Um é a regionalização e outro é o facto de o distrito eleger poucos deputados. Isto só revela que houve tanta falta de investimento, que levou ao despovoamento. O corte nos serviços públicos faz com que os jovens não queiram ficar. Temos um dos melhores politécnicos do país, se não o melhor, mas parece que ao Ministério da Ciência e Ensino Superior não interessa investir. Mais de metade dos fundos comunitários para projetos de investigação ficam no litoral. Isso faz com que não tenhamos investigadores que queiram vir para o IPB.

 

MDB.: Que propostas concretas tem para o distrito?

PO.: Uma ao nível de mobilidade. Incluímos a ferrovia e os transportes rodoviários que liguem o resto dos concelhos. Uma economia democrática, pois grande parte dos fundos europeus não chegam às pessoas, assim como os fundos de compensação pelas barragens. Desejaríamos que pelo menos o preço da energia fosse mais baixo, que o IVA da eletricidade fosse reduzido para seis por cento e que esses fundos fossem investidos nas casas das pessoas. Como é que ainda há pessoas que passam frio em casa?

 

MDB.: Ao nível da mobilidade, o que defendem em concreto?

PO.: A reativação da ferrovia, com ligação à Sanábria. Precisamos de um orçamento que posamos gerir. Não é uma pessoa sentada no Porto que sabe do que precisamos. E de uma ligação entre os concelhos, que seja pública e não esteja dependente de instituições privadas, que só a mantêm se houver lucro.

 

MDB.: Para a reativação da linha seria preciso um investimento de fundo. Tem ideia de quanto custaria o projeto?

PO.: O BE apresentou o Plano Ferroviário para 2040, que representa nove mil milhões no país todo.

 

MDB.: E para aqui?

PO.: Essas contas não estão feitas. Mas grande parte destes projetos é feito com fundos europeus.

 

MDB.: Que outras necessidades identifica no distrito?

PO.: Acho que é importante haver uma grande relação entre o IPB e o território. Ela já vai existindo mas estamos a atravessar uma crise climática. Temos de preparar os pequenos produtores para isto. Acabar com os fitofármacos, numa aliança com o IPB, levar a Ciência para o produtor, para que ele também se sinta protegido.

 

MDB.: Uma das questões que se coloca é com a progressiva falta de água, o que aumenta a necessidade de armazenamento e, logo, de barragens. Qual é a vossa opinião sobre isso?

PO.: O armazenamento de água é importante mas o que não pode acontecer é a destruição da fauna e da flora. Não sei se as barragens que temos são suficientes ou não. Julgo que sim.

 

MDB.: O distrito de Bragança tem três áreas protegidas, com restrições para as pessoas que ali vivem. Há forma de ultrapassar isso?

PO.: Tem de haver. Em primeiro lugar, as pessoas. Quem lá vive nunca pode ser descurado. Temos de encontrar uma forma de conseguir aliar as pessoas à natureza, para encontrar um equilíbrio. Não tem havido uma conversa sincera entre a gestão do parque e as pessoas que lá vivem, que acham que estão proibidas de fazer tudo. Não estão.

 

MDB.: Falou dos fundos comunitários. O Porto beneficiar de fundos de coesão graças aos distritos de Bragança e Vila Real mas é lá que fica a maior parte do dinheiro. Defende alguma mudança nesta forma de distribuição?

PO.: Isso leva-me à regionalização. Neste momento, não nos importa muito debater o mapa que vai resultar da regionalização mas que esse mapa não perpetue essa desigualdade territorial. Tem de se concretizar a regionalização. O debate não pode perpetuar essa desigualdade territorial. Nem sei se tem de haver uma divisão entre litoral e interior, desde que isso não perpetue esta desigualdade territorial. Por isso é que continuamos a ser dos distritos menos coesos.

 

MDB.: O que seria um bom resultado?

PO.: Vamos sempre para ganhar. O ideal seria eleger os três deputados. Sabemos que é muito difícil. Ficaríamos contentes se elegêssemos um e que o monopólio gerido ora pelo PS ora pelo PSD fosse quebrado e eles fossem forçados a debater mais a região. O nosso propósito é levar Bragança para Lisboa.

 

MDB.: Ao longo do último ano, uma das bandeiras do Presidente da República tem sido o debate sobre o estado da comunicação social. Como vê essa questão?

PO.: Para nós, as rádios e os jornais locais são imprescindíveis. Em primeiro lugar, porque não sofremos de fake news. As notícias são tão próximas de nós que não corremos esse risco. Percebemos o boicote das rádios e percebemos esse descontentamento. Aquilo que nós, enquanto sociedade, estamos a perpetuar, é investir no litoral, e deixar que os serviços morram. E as rádios e os jornais são serviços públicos. Quando uma rádio ou um jornal morre é a democracia que está a morrer. São esses serviços públicos que fazem chegar a informação às pessoas. Tem de haver verbas específicas para os jornais e as rádios locais. É nisso que acreditamos verdadeiramente.

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