A opinião de ...

A originalidade tem limites

No dia 12 de outubro, Bragança fez história. Pela primeira vez em vinte e oito anos, o Partido Socialista venceu as eleições autárquicas no município. A vitória foi clara, inequívoca, e coroou Isabel Ferreira como a primeira mulher a presidir à Câmara Municipal de Bragança, a primeira doutorada a ocupar o cargo e a primeira ex-governante a assumir funções de edil brigantina. Um triunfo, dir-se-ia, que marcava o fim de um ciclo e o início de outro. Só que, em política, o que começa em euforia raramente acaba em serenidade.
Isabel Ferreira não foi apenas a primeira presidente socialista em quase três décadas. Foi também a primeira a perder a maioria absoluta no próprio dia em que tomou posse. Uma proeza de originalidade política: vencer com maioria e iniciar o mandato em minoria. Há quem chame a isto azar; outros preferem chamá-lo falta de tato. O facto é que a nova presidente, ao invés de consolidar a base que a levou ao poder, apressou-se a ir buscar à oposição os “saldos de ocasião” para recompor uma maioria que os eleitores lhe tinham dado e que ela perdeu antes de começar a governar.
Quando se apresentou ao eleitorado, Isabel Ferreira prometeu mudança. Depois da vitória, prometeu diálogo. E, no discurso, o tom era conciliador — trabalhar com todos, dizia. Mas “trabalhar com todos” exige uma virtude que a política raramente recompensa: a paciência. Porque trabalhar com todos é mais difícil do que comprar apoios avulsos; é mais lento, mais desgastante e, sobretudo, mais transparente.
Os executivos municipais são, por natureza, compostos por personalidades fortes, egos inflamáveis e ambições contraditórias. O papel de um presidente de Câmara é precisamente o de gerir essas diferenças — não com autoritarismo, mas com inteligência. Criar complementaridades onde há conflito, sinergias onde há rivalidade. É isso que distingue o líder do mero sobrevivente.
A estratégia seguida pela nova presidente, contudo, levanta duas preocupações sérias. A primeira diz respeito à sua capacidade de liderança: quem perde a maioria no primeiro dia dificilmente a recupera com legitimidade. A segunda é de ordem ética: recorrer a expedientes para recompor uma maioria é um atalho perigoso — e um mau prenúncio. Comprar os restos de um projeto político derrotado pode ser uma jogada útil, mas nunca é uma jogada limpa.
Se Isabel Ferreira quer, de facto, trabalhar com todos, que o faça às claras. Que apresente publicamente os projetos, as prioridades, as políticas que pretende implementar. Que explique as escolhas, as alianças, as delegações de competências. E, sobretudo, que explique por que razão “trabalhar com todos” significou, no caso concreto, excluir aquele que apresentou aos eleitores como o seu número dois.
A política local é o terreno onde a ética se mede em gestos pequenos — numa nomeação, numa delegação, numa promessa mantida ou traída. Bragança deu a Isabel Ferreira um mandato histórico. Seria uma pena que a história ficasse por aí.

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