Médico, Cientista e Autarca Entram num Bar
Um médico europeu, com reputação mundial, há pouco mais de um ano, quando trabalhávamos no orçamento que caberia à investigação de apoio à sua atividade, reclamou para si o título de melhor cirurgião na sua especialidade e, por isso, lhe eram devidas condições excecionais para a continuação do seu trabalho. Não tenho conhecimento suficiente (nem perto disso) para atestar ou contestar a sua afirmação. É um dos melhores, sem dúvida, a avaliar pela quantidade de doentes que o procuram, vindos das cinco partidas da terra e a satisfação com a sua atividade pode facilmente ser aquilatada pela quantidade e dimensão de donativos que, pela sua mão, chegam à Clínica. Como tal, foi com alguma surpresa que o ouvi, no encerramento de uma conferência internacional sobre investigação translacional, boas práticas médicas e estado da arte em cirurgia do cancro do pâncreas, proclamar a inalienável virtude da humildade.
Perante a fina flor mundial de investigadores e cirurgiões, ali reunidos muito por causa do seu prestígio e competência, afirmou, com toda a clareza que médico, necessariamente, de ser humilde. Perante a doença, perante os seus pares, mas, sobretudo, para com os doentes. Dizer a um paciente oncológico que “não há cura” é equivalente a decretar uma sentença de morte! Ora, por mais dramática que seja a situação, por mais grave que seja o diagnóstico, nada justifica tal “decreto”. Porque, provavelmente nem corresponde à verdade. No cumprimento escrupuloso e leal para com o paciente o que tem de dizer: “Eu não conheço a cura para a sua enfermidade, mas pode haver quem conheça. Aqui mesmo, em Lisboa. Ou em Paris. Ou em Nova Iorque. Ou no Japão. Ou na Índia. E, provavelmente haverá!”
E, para rematar, discorreu sobre a apreciação, pelos pares, do trabalho, propostas e teses de cada um. “Quando alguém afirma discordância absoluta sobre um tema defendido por qualquer um de nós, não está a dizer que somos incompetentes, ou menos capazes. Está, simplesmente, a manifestar uma opinião crítica, diferente da nossa. Provavelmente bem fundamentada porque só assim lhe assiste razão e motivo para o fazer. Não nos está a menorizar nem a desprezar. Pode, perfeitamente, ter grande consideração por nós e pelo que representamos em tudo o resto… mas não, no caso em apreço”.
Era o médico a falar, vestindo o fato de investigador. Provavelmente por haver dezenas de cientistas na sala. E porque todos sabem que, de outra forma, a ciência não avança.
Não pude deixar de fazer um paralelo imediato com a maioria dos autarcas que conheço que tudo sabem, tudo conhecem e raramente aceitam opiniões diversas das suas e ai de quem lhes critique a obra, os planos ou a opinião.
Entretanto, os eleitores de Bragança, sabiamente, escolheram para líder dos destinos concelhios, uma cientista. Espero que Isabel Ferreira traga para a política regional o método e a prática científica que conhece e praticou de forma exemplar. Quero crer que o seu exemplo e, sobretudo, o seu sucesso, faça escola na nossa terra, neste tempo da preponderância das tecnologias de base científica como a inteligência artificial.
