A opinião de ...

O que nós andámos para aqui chegar

Foi há muito tempo, é certo. Há precisamente duzentos anos. Num tempo em que as mulheres estavam socialmente muitos degraus abaixo do homem mais desqualificado.
Aconteceu na sessão das Cortes Gerais, no dia 22 de abril de 1822. O deputado Domingos de Barros propôs que as mães de seis filhos legítimos tivessem direito a votar nas eleições. A surpreendente e “descabida” proposta não foi, sequer, admitida à discussão, com o argumento de que se tratava de «um direito político e deles são as mulheres incapazes». Não por acaso, nessa mesma sessão, foi admitida à discussão a capacidade eleitoral «dos falidos, dos que têm feito banca rota e dos devedores insolúveis». Assim mesmo. Parafraseando a canção de José Mário Branco, vimos de longe e o que nós, mulheres, tivemos de andar para nos ser reconhecido o direito de eleger e sermos eleitas. O caminho foi longo e cheio de obstáculos.
A médica Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a usar o direito de voto, em 1911, aproveitando uma “brecha” na lei. Como o regime republicano concedera o direito de voto aos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever, e aos chefes de família, sem especificar o sexo, Beatriz Ângelo, que era viúva e chefe de família, usou esse argumento para votar. Foi sol de pouca dura. Em relação aos direitos das mulheres, o regime republicano não foi melhor que a monarquia, apressando-se a especificar, em 1913, que só “os chefes de família do sexo masculino” podiam eleger e ser eleitos. Só em 1931, foi aberta a possibilidade de voto às mulheres “chefes de família” e, em 1968, às que sabiam ler e escrever. Finalmente, com o 25 de Abril de 1974, o direito de voto tornou-se universal em Portugal.
Mudaram-se as leis, mas não as mentalidades. As mulheres exercem hoje todo o tipo de profissões, cargos e funções. Estão em maior número nas Universidades. Há atualmente mais mulheres licenciadas e doutoradas. Têm carreiras profissionais bem sucedidas. Têm lugar de destaque na Ciência e nas Artes. Ganham concursos e prémios. Mas ainda estão sub-representadas nos lugares onde verdadeiramente reside o poder político e económico.
Ainda há um longo caminho a percorrer. As mentalidades não mudam por decreto. É um processo lento, de pequenos passos com avanços e recuos. O peso do passado ainda se faz sentir.
Ao longo dos séculos, a cultura popular foi incorporando os preconceitos sociais. “O grande livro dos Provérbios” de José Pedro Machado é revelador da imagem que a sociedade tinha da mulher. Três exemplos das dezenas que encontrei: “mulher boa, ave rara”, “mulher bela, doce veneno”, “mulher casada no monte é alojada”. Se tiverem dúvidas quanto ao tratamento desigual, consultem as entradas referentes ao homem. Se quiserem folhear o “Dicionário de expressões populares portuguesas” de Guilherme Augusto Simões, vão chegar à mesma conclusão. Enquanto o homem é “de peso”, “de fibra”, “ dos sete ofícios”, a mulher é “de soalheiro”, “de mau porte”, “vadia”. Até “mulher de virtude” tem conotação pejorativa, significando “curandeira”, “bruxa”. Mesmo em dicionários de referência, o termo mulher mantém o significado de “ pessoa do sexo feminino, de condição social inferior (por oposição a senhora ou dama)” e é sinónimo de “meretriz”.
Ao festejar Abril, saúdo as mulheres do meu país!

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