A opinião de ...

Os pobres morrem mais cedo (3)

O tema ganhou uma evidência crescente quando no ano de 2013 o vírus Ébola causou em África mais de 10.000 mortes, alarmando para as desigualdades sanitárias mundiais, despertando essas organizações sanitárias mundiais para assumirem que se tratava de um prioridade. Não foi difícil reconhecer a evidência de que as desigualdades sanitárias resultem de uma congregação de desigualdades económicas, sociais, e políticas. E se em cada Estado ocidental ou ocidentalizado, o Estado Social procurava ir ao encontro da Declaração de Direitos dos EUA, escrita por Jefferson, de que todos os homens nascem iguais e com igual direito à felicidade, evolucionando no sentido de corrigir as desigualdades com o que os franceses chamaram “droits prestation”, a crise económica e financeira mundial tendeu para enfraquecer o Estado Social em termos de escurecer a relevância esdrúxula da conclusão da Primeira Ministra do Reino Unido de que não havia alternativa para o liberalismo.
O facto é que os progressos sanitários europeus, a partir do fim do século XIX, foram apoiados em reformas que visavam melhorar as condições de vida das populações mais pobres (Auriana Gulibaud). Mas a criação da Organização Mundial de Saúde, em 1948, que obedeceu a essas preocupações, e que, depois da descolonização assumiu a necessidade de uma “nova ordem sanitária internacional”, intento consagrado pela declaração de Alma-Atas de 1978, uma problemática agravada e assumida pelos “Objetivos do Milénio para o Desenvolvimento” (OMD), mas tudo enfrentando a necessidade de “lutar contra as desigualdades na repartição do poder, do dinheiro e dos recursos (OMS, Resultats de la Conference Mondiale sur les Determinantes Sociaux de la Santé). Um primeiro problema é o do acesso aos medicamentos em vista dos preços, a importância, quanto a estes, dos direitos garantidos pelas patentes, a relação entre os rendimentos das populações com essa garantia, reforçada pelo regime da propriedade intelectual de 1994, tudo fonte de conflitos legais. Algumas iniciativas, por exemplo contra a sida, a tuberculose e o paludismo, foram organizadas, mas a conclusão do citado estudo, insistindo na necessidade de “uma cobertura sanitária universal”, é esta: “para lutar contra as desigualdades mundiais em matéria de saúde, o acesso aos medicamentos continua indissociável do reforço dos sistemas de saúde, isto é da organização de sistemas de saúde estáveis e organizados em torno de hospitais, centros de cuidados, de sistemas de aprovisionamento de medicamento e material médico, de pessoal médico formado… Isto necessita um trabalho multissetorial a longo prazo, implicando a criação de sistemas de proteção social, de esforços de educação, de medidas para limitar a “fuga de cérebros” das personalidades da saúde”.
O noticiário constante dos meios de comunicação portugueses, orientam suficientemente para olhar com responsabilidade para estas conclusões. E também para prestar justiça e gratidão em relação a homens portugueses que não desistiram de assumir a doutrina e ação, contra as dificuldades, crescentes pela crise mundial financeira, económica, e de ética, do globalismo. Apenas como exemplo, e sem esquecer o que foi a ação do Instituto de Medicina Tropical e do Hospital do Ultramar, e da Junta de Investigação Científica do Ultramar, enquanto tivemos responsabilidades coloniais, são de recordar três nomes de Universitários: Agostinho da Silva que se bateu pela multiplicação dos Centros de Cultura Portuguesa, que seriam amarras nos territórios a tornar independentes, e não foi recompensado pelos resultados, O Professor Padre Manuel Antunes, que me pareceu o mais lúcido analista de evolução da estrutura europeia e relação com Portugal, antes de aderirmos ao modelo; e finalmente o Professor Ricardo Jorge, cuja contribuição cientifica para a História da Higiene, do Sanitarismo e da Epidemiologia, é uma das contribuições para enfrentar a circunstância portuguesa entre o seu período de vida de 1858 a 1939, honrando Portugal com a justa participação no Património Imaterial da Humanidade a cargo da UNESCO, e que mereceu a única recompensa semelhante à imortalidade, e que é ter modelado o espírito institucional do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, que se mantém ativo, com autoridade, e reconhecimento internacional, na luta por um “Desenvolvimento Sustentável no Quadro da Saúde Global”. Não é apenas a Universidade Portuguesa que lhe é devedora de um pensamento que anuncia o que foi chamado, pelas Universidades de Brasília e de Coimbra, a quarta dimensão da Universidade, perante o globalismo, é a adesão dos investigadores que sustentam o “eixo da roda” da missão que assumiram e que beneficia “a casa comum dos Homens” sem distinção de fronteiras ou físicas, ou culturais. A missão é também uma contribuição para uma nova justiça social em crise de resposta à circunstância ameaçadora que rodeia o globalismo, opondo a sabedoria à gritante injustiça de os pobres morrerem mais cedo.

Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge
09/11/2018

Edição
3709

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