A opinião de ...

Cinquenta anos

Há quem queira fazer das próximas Eleições Legislativas um referendo/plebiscito aos últimos cinquenta anos da nossa Democracia relevando para o efeito todos os defeitos, moléstias, faltas e vícios que, sem dúvida enfermaram a gestão da coisa pública neste meio-século passado. Fazê-lo desta forma, com o mais descarado despudor, sem mais, só pode ser promovido por quem, tendo pouco amor à realidade e à verdade dos factos pretenda enganar, iludir e defraudar aqueles a quem pede apoio e um perigoso cheque em branco para mero interesse pessoal ou, pior, para prosseguir obscuros e perigosos intentos.
Para os da minha geração, basta fazer apelo à memória, os mais novos precisam apenas de procurar informação fiável, sustentada em factos comprovados e irrefutáveis. Quem, censurando as várias lideranças que, melhor ou pior, estiveram à frente dos destinos lusitanos, pede uma oportunidade para fazer mais e melhor, acenando com políticas, processos e ideologias que apontam para um tempo, anterior a estes cinquenta anos de liberdade e progresso, mau grado todos os fracassos, falhas e deslizes existentes e que não se pode, nem é preciso, ignorar, deveria explicar se o caminho passa mesmo por um regresso a uma época em que Portugal ocupava a retaguarda da Europa em vários aspetos da vida comum onde a pobreza atingia uma franja enorme da população portuguesa com especial incidência nas zonas rurais e nos subúrbios das grandes cidades onde a fuga à pobreza daqueles que à nascença, não tinham sido bafejados por uma abundância rara, por cá, apesar de generalizada além fronteiras, apenas era possível atravessando fronteiras a salto ou embarcando para o outro lado do mar.
No tempo para onde alguns, saudosamente, nos querem arrastar, embora não fosse público havia corrupção e compadrio. Não é possível garantir que era maior ou menor porque nessa altura não havia direito à informação e muito menos era possível qualquer escrutínio. Mas não só. Nessa era de má memória, tínhamos os rios mais poluídos da Europa, não havia qualquer tratamento de lixo e os esgotos a céu aberto abundavam. Hoje as redes canalizadas de água e esgotos estão disponíveis para a quase totalidade da população. Então, eram raras as mulheres a quem era proporcionado o parto nos hospitais ao mesmo tempo que a mortalidade infantil atingia percentagens terceiro-mundistas. O risco de pobreza era enorme e endémica. Uma criança nascida no seio de uma família pobre, dificilmente tinha qualquer oportunidade de romper com esse ciclo, sobretudo porque o acesso à educação, o melhor elevador social, era deficiente. Apesar de, em 1974 já estar institucionalizado o ensino básico universal, apenas 83% o frequentavam, não havia, na prática, pré-escolar e só 5% concluía o ensino secundário, sendo hoje completado por 88% dos jovens.
Muito mais poderia ser dito sobre a enorme evolução feita ao longo destes cinquenta anos, apesar dos problemas ainda existentes, da necessidade de melhorar muitos índices, apoiar muitas famílias e, sobretudo crianças e jovens e de fazer um combate constante e sem quartel à corrupção, compadrio e tráfico de influências.

Há caminho para andar, sem dúvida. Mas na sequência do trilhado até agora. Os que, renegando esse legado, pedindo um voto de confiança para nos transportarem para uma nova era, terão de, primeiro, dizer que trajeto alternativo teriam feito e, principalmente, que mudança de sentido querem imprimir, para serem tão diferentes que sejam verdadeiramente credores da oportunidade que suplicam.

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