A opinião de ...

Todos conta o vírus

alvar vidas é a prioridade. Desde o aparecimento do coronavírus que assim tem sido. Reforçando o orçamento do SNS, contratando recursos humanos, adquirindo equipamentos, alargando o número de camas, recorrendo aos setores social e privado sempre que necessário e possível, trabalhando em rede e de forma coordenada com a União Europeia, ouvindo os cientistas, tomando a difícil decisão de confinar e desconfinar, de fechar e abrir, procurando acorrer a todos e não deixar ninguém para trás.
Eis que finalmente apareceu a luz ao fundo do túnel. A vacina é a nova metáfora da vida. Renovou a chama da esperança e deu-nos confiança. Para uns, foi o estímulo de que precisavam para continuarem a proteger-se a si e aos outros, seguindo as recomendações das autoridades sanitárias. Para outros, foi o pretexto para fazerem o que lhes apetecia, como se o simples anúncio da vacina reduzisse o risco de contágio. Acontece que o “bicho” baralha e dá de novo, manifestando uma surpreendente capacidade de mudança e adaptação, tornando-se mais contagioso. Um vírus que, se não for levado a sério, pode conduzir à catástrofe. As novas estirpes são fonte de mais preocupação para as autoridades de saúde e governamentais e não dão descanso aos cientistas.
A vacina tornou-se um bem precioso que todos ambicionam. Embora Rousseau defenda que o ser humano é bom por natureza, a história ensina e a realidade confirma que a natureza humana está longe de ser perfeita e que, em tempos de crise, vêm ao de cima as melhores qualidades de uns e os piores defeitos de outros. Houve abusos? Apurem-se responsabilidades e punam-se os infratores, mas não se ponha em causa o Plano de Vacinação que, globalmente, tem corrido bem. Abusos que não são exclusivos dos portugueses nem de uma região ou de um grupo. Dos Estados Unidos à Áustria, do Canadá ao Reino Unido, passando por Espanha, há relatos de suspeitas de uso indevido de vacinas, com exemplos de “turismo da vacina” e de situações que, não fora a gravidade do contexto, seriam hilariantes.
Estamos a receber poucas vacinas tendo em conta as necessidades e, sobretudo, as expetativas? É verdade. Mas, mesmo assim, segundo dados do Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC), Portugal está acima da média europeia. No momento em que escrevo (06.02), já foram administradas cerca de 400 mil vacinas, o que nos coloca em sétimo lugar no seio dos 27 Estados-membros. A União Europeia podia ter feito melhores contratos? Talvez! Mas imaginem como seria se Portugal tivesse de ir ao mercado, sozinho, em competição com os países mais ricos e poderosos do mundo. É caso para dizer, valha-nos a União!
Os abusos não se reduzem ao acesso às vacinas. Temos assistido a excessos de linguagem e outras formas de abuso de poder, não poucas vezes usadas por quem se serve da visibilidade do cargo, para críticas infundadas e recurso a linguagem de caserna. Tempo houve em que os bastonários das Ordens eram pessoas de reconhecido mérito, com prestígio social, respeitadas pela maioria. Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos enfermeiros, não se enquadra claramente nessa categoria. A pandemia não pode servir de arma de arremesso político nem para fazer demagogia. A pandemia exige seriedade comunicacional, responsabilidade informativa, bom senso no comentário mediático e solidariedade para com os mais vulneráveis. Do que não precisamos é de cacofonia alarmista e de parecer que estamos todos contra todos, em vez de todos contra o vírus. Mais do que nunca, a união é sinónimo de força. Ouçamos as palavras do Papa Francisco que, na Encíclica Fratelli Tutti, depois de denunciar a falta de solidariedade existente no mundo, sublinha que a pandemia “despertou por algum tempo a consciência de sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal de um prejudica a todos”. E que a pandemia “fora de controlo obrigou , à força, a pensar nos seres humanos, em todos, mais do que nos benefícios de alguns”.

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