A opinião de ...

O Augusto “Berbo”

Na sequência do desafio feito pelo senhor Hermínio Gama, numa publicação online, replicado no blog “Memórias e Outras Coisas”, pelo ilustre bragançano Toninho Bombadas, cujo desafio consiste em escrever uma história e/ou passagem sobre uma figura (singular) de Bragança que faça parte da nossa memória colectiva, não podia deixar de invocar, em jeito de homenagem, o nome daquele que para mim é a personagem mais carismática entre os seus “pares”, o Augusto “berbo”.
Comecei a frequentar a taverna do “Berbo” (situada no n.º 136 da Rua Abílio Beça, a 50 metros do café Chave d`Douro) na longínqua década de 80 do século passado. Ia lá com o João Pinheiro, o Tó Ferreira, o meu irmão Mário, o Guedes, o Armando Reis , o Jorge Tiago, o Zé Lopes, o Fernandinho, o Chico Patrício, o Zé Silva, o Vitorino, o Zé Gomes, o Luís Parente e outros que tais – rapazolas que fazíamos parte duma geração para quem a palavra Amizade era muito mais do que a concatenação das sete vogais de que é composta.
Era um espaço pequeno, acolhedor, intimista, como agora se diz. Ao transpormos a soleira da porta, deparávamo-nos com dois degraus que nos conduziam até ao pequeno balcão de madeira. O frigorífico vermelho (desligado nos meses de inverno) saltava à vista pela sua imponência. Ao fundo havia uma divisória (reservado) de exíguas dimensões, um espaço maneirinho, propício às tertúlias, onde os nictófilos gostavam de permanecer até altas horas da madrugada. A cerveja tinha ali uma expressão residual. O vinho (“baptizado”) era, de longe, a bebida de maior saída. As “sandes de relâmpago” - de bolacha de água e sal e chouriço finamente cortado (assim designadas, porque se via o sol através das fatias) - eram a imagem de marca daquela tasca.
O “Berbo” era um ser humano encantador, simpático, afável, honesto, um homem bom, que, na forma de tratamento, dispensava a formalidade do “senhor”. Substituía-a pelo “tu”, independentemente da idade e posição social do cliente. Era um exímio contador de estórias, narradas na 1.ª pessoa, quase todas efabuladas, qual delas a mais surreal e inverosímil, julgando, no entanto (tal era o entusiasmo com que as contava), que os seus interlocutores as tomavam por verdadeiras.
O “Berbo” não gostava nada que pusessem em causa a veracidade das suas estórias. Um certo dia, na minha presença, contou que era amicíssimo de José Sarney, o 31º Presidente do Brasil, entre 1980 e 2000. Uma “amizade” cuja “evidência” é retratada no seguinte episódio: o Artur, filho mais velho do Augusto (de quem, como é natural, muito se orgulhava), era marinheiro. O progenitor referiu que, numa missão ao Brasil, já no destino, e no momento em que o navio acabara de aproar no porto do Rio de Janeiro, o então chefe de Estado brasileiro foi receber os marujos lusos, tendo-lhes dirigido, com recurso a um megafone (quebrando, assim, o rígido protocolo), a pergunta: “Está aí o filho do meu amigo `Berbo`, de Bragança?”
Acompanhado duma gargalhada que não pude conter, e em jeito de provocação, retorqui: “Augusto, acho que estás a exagerar!”
Ele, desagradado com a minha observação, brindou-me com esta pérola: “Andas-te a pôr burro! Nem pareces um rapaz com estudos!”
Uma tirada que, a partir daí, passou a ser “obrigatória”, verbalizada maquinalmente, quando, em brincadeiras entre amigos, alguém proferia alguma alarvidade ou disparate.
É assim que recordo, com saudade, o Augusto “Berbo”. Uma pessoa a quem estou imensamente grato, por fazer parte das minhas intensas e excitantes memórias da juventude.

Edição
3797

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