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Quando o silêncio mata. O suicídio dos polícias

O suicídio é uma das maiores tragédias silenciosas. Em Portugal, centenas de pessoas tiram a própria vida todos os anos, deixando famílias devastadas, comunidades em choque e perguntas sem resposta. Quando o suicídio atinge os polícias então merece uma atenção ainda mais especial. Eles que juraram proteger-nos enfrentam, muitas vezes, batalhas internas que passam despercebidas, até ser tarde demais.
Ser polícia é viver sob pressão constante. Lidar com a violência, o sofrimento, as injustiças e o risco de vida. Acrescem a instabilidade profissional e familiar, os baixos salários, os horários de trabalho permanente por turnos, a troca inopinada de turnos e horários e, quase sempre, a falta de reconhecimento e valorização profissional. Não é surpresa que o desgaste físico e emocional seja profundo.
No passado mês Julho 3 polícias suicidaram-se. Este ano já são 7. Nos últimos 25 anos (desde 2000) 189, 96 da PSP e 93 da GNR, puseram termo à vida. A taxa de suicídio nas forças de segurança é significativamente superior à da população portuguesa.
Este tema é tratado com muita sensibilidade pelas autoridades. Há preocupações sobre o impacto psicológico e o efeito mimético que a divulgação pode causar. Falar de suicídio ainda é tabu. E no universo policial, onde se valoriza a força, a coragem e o autocontrolo, admitir fragilidade emocional é visto como sinal de fraqueza. Este estigma impede que muitos peçam ajuda. O silêncio, neste caso, não é apenas doloroso, é fatal.
É necessário mudar esta cultura. Precisamos de dizer, alto e bom som, que pedir ajuda é um ato de coragem. Que cuidar da saúde mental é tão importante quanto treinar o corpo ou dominar as técnicas operacionais. A prevenção do suicídio exige ação coordenada. A existência de gabinetes de psicologia de fácil acesso, é já um bom início. Mas não chega.
A formação em saúde mental para todos os polícias tem que fazer parte da sua formação inicial nas escolas de polícia e constar da formação contínua. É necessário um esforço permanente dos comandantes e formadores para que este tema esteja presente e seja assimilado. Combater os estigmas e promover o diálogo que sensibilize todos os polícias para estar alerta aos sinais e promover a ajuda necessária aos companheiros que sofrem. Quem fica doente perde o direito aos suplementos que representam cerca de 25% da remuneração de um agente. Este fator económico é deveras influenciador para não assumir o problema.
Mas não é só nas polícias que a mudança deve acontecer. Nós, como sociedade, temos de aprender a escutar, a acolher, a estar atentos aos sinais de sofrimento, seja de um vizinho, de um familiar ou de um agente da autoridade.
O suicídio não escolhe profissão, idade ou estatuto social. Mas quando quem nos protege está em risco, é a própria saúde coletiva que fica fragilizada. Cuidar dos polícias é cuidar de todos nós. Porque cada vida perdida é uma ferida aberta na nossa comunidade. E cada vida salva é uma vitória da empatia, da escuta e da ação.

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