A opinião de ...

Cecilia Payne e a composição do Sol

Desde sempre o Homem se questionou acerca da forma como a radiação (luz) interage com a matéria.
Porque é que o Sol aquece os corpos? De que é feito o Sol? De onde vem a energia que irradia?
Neste âmbito, Cecilia Payne (1900-1979) foi das pessoas que mais contribuíram para o conhecimento deste astro. Quando ingressou em Cambridge, pensava-se que o Sol era composto por Ferro. Cecilia entrou num mundo de homens e apesar de estar entre os melhores alunos, não teve vida fácil. Eddington (cientista que confirmou a teoria da relatividade de Einstein) propôs-lhe um desafio sobre o Sol. O trabalho foi reconhecido pelo seu tutor, mas em Inglaterra era impossível aprofundá-lo.
Mudou-se para Harvard (EUA) onde encontrou várias mulheres a trabalhar nesta área. Analisavam muitas riscas espetrais dos espetros do Sol. Um espetro é o registo das riscas (radiações) que se obtêm quando a luz de uma substância passa por um prisma ótico. A interpretação do espetro solar baseia-se na comparação deste com o que é obtido em laboratório a partir de um elemento puro. Se as riscas dos dois espetros coincidem, significa que o Sol contém esse elemento.
Este trabalho exigia rigor, mas era monótono e não permitia conceber experiências, nem abordar criteriosamente a composição do Sol. Apesar de haver mulheres na faculdade, o acesso à investigação era-lhes vedado, pelo que Cecilia optou por trabalhar isolada. Verificou que o valioso trabalho das colegas não era aproveitado e a interpretação dos dados não era clara. Para exemplificar, proponho a leitura da sequência de palavras que se encontram juntas:
AhipótesedeferronoSolgeraenormesexpetativasepossibilidades.
Esta interpretação é elucidativa de como se impôs uma ideia errada sobre a composição do Sol. Contudo, como já se sabia que na Terra há uma grande percentagem de Ferro, a ideia vingou.
Peço agora para unir e ler somente as letras que se distinguem da próxima sequência: AhipótesedeferronoSolgeraenormesexpetativasepossibilidades.
Analisando de forma rigorosa e eliminando o ruído dos dados, Cecilia descobriu a presença de Hidrogénio no Sol.
Contudo, este trabalho foi suspenso, pois o seu orientador, Henry Russel, fez o seu percurso académico assente no facto de o Ferro ser o principal constituinte do Sol. O financiamento das suas investigações e a capacidade de atrair estudantes estavam a ser postos em causa por esta jovem.
Cecilia reagiu, mas o seu trabalho só foi aceite quando, forçada, incluiu a seguinte afirmação: “A enorme abundância de Hidrogénio... não corresponde, quase certamente, à realidade.”
A sua luta entusiasmou outros investigadores que confrontaram os resultados experimentais com a teoria erradamente aceite. Realizaram novas experiências e concluíram que o Sol é maioritariamente composto por Hidrogénio.
Após estes episódios, Cecilia manteve-se na sombra e sem cargos oficiais, mas o reconhecimento dos seus pares quebrou preconceitos e barreiras, sendo a primeira mulher a liderar um departamento na prestigiosa universidade de Harvard.
Este é mais um exemplo da luta contra constrangimentos científicos e sociais.

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4037

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