A opinião de ...

Os indesejados

É doutrina do eugenismo que a população humana deverá evoluir para a perfeição, resultando, se for caso disso, de uma depuração e seleção programadas, sendo um dos meios para esse fim impedir o nascimento de crianças que, entre outros motivos, acusem alguma malformação. A sociedade, prevendo que tal nascituro (além de ele próprio poder ter de sujeitar-se a uma vida de permanente sacrifício), irá perturbar-lhe a boa ordem, a estabilidade, a economia, o bem-estar, permite-se retirar-lhe o direito de nascer. Indo contra quem assim pensa, vejo-me do lado dos que pensam precisamente o contrário: não deve matar-se o embrião que, crescendo ao ritmo natural e normal, vai originar um ser humano que os pais e a sociedade têm o dever de acolher, enquanto lhe proporcionarão todos os meios e cuidados de que precisar. Também ele deve ser beneficiário dos recursos disponíveis que tendem a satisfazer a vida dos que se dizem perfeitos - só por isso os primeiros beneficiários desses recursos. É verdade que qualquer pessoa que acuse alguma deficiência, seja física ou mental, ao ocupar o seu espaço, vai certamente retirar a alguém um pouco da comodidade contida nos seus planos de vida.
            Já os que, por falta de vigilância de zelosos eugenistas, vivem crescendo e reproduzindo-se sem a qualidade física e mental exigida pela doutrina que eles defendem, deverão ser postos de parte, senão eliminados, em favor daquela seleção para que possa haver segura evolução para a ansiada pureza da raça.
            No entanto, pergunta-se: quais os critérios que devem ser utilizados para definir que determinado cidadão seja considerado física ou intelectualmente inapto para viver em sociedade, naquela mesma que os quer julgar e selecionar? E a quem deve atribuir-se, não só a definição, como a aprovação desses critérios?
Podemos reportar-nos ao caso da “raça ariana”, tão procurada e exaltada na Alemanha pelo regime Nazi que, enquanto promoveu casamentos entre os considerados verdadeiros arianos, exterminou os tidos como deficientes físicos, atrasados mentais, homossexuais, bem como os ciganos e os judeus nos quais não via qualquer valor por considerá-los gente inferior.
            Como é demais sabido, já a cidade de Esparta praticava esta forma de depuração, já que os nascidos diminuídos físicos eram pura e simplesmente eliminados.
            O eugenismo poderá, então, levar-nos ao egoísmo social: para o bem-estar de uns, terão de ser eliminados os que só dão trabalho e despesa, alegando-se também, como acima disse, que, para os portadores de qualquer deficiência, o próprio viver constituirá enorme sofrimento.
            Tal não me parece que tenha de ser assim. E não me parece, porque a eles se devem proporcionar, além do próprio espaço, todos os cuidados para nele poderem sentir-se bem, acompanhados por alguém que os leve a evoluir para melhor, enquanto poderão reduzir ao mínimo o seu presumível sofrimento.
            Atualmente, constatamos que há muito fechar de olhos para negar-se o direito de nascer. Alguns governos criam até condições legais favoráveis para que, em determinadas circunstâncias, deixe de valer esse direito.
            Assegurar a continuidade da vida humana deverá ser razão para que a liberdade possa estender-se também à semente que está a desabrochar. Eliminar essa semente não deixa, pois, de se interromper uma vida que começou. 

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